Minha face de molho
Penteio os cabelos para ver se o tempo passa. Para ver se me
sinto diferente, ativa, diferente da pessoa que acordou às 6h da manhã. Antes
dos tempos livres eu pensei... vou fazer muitas coisas interessantes. Terei
tempo, terei uma casa em silêncio, terei inspiração. Vou ouvir os discos, na vitrola que agora funciona. Mas os discos estão arranhados, sujos e parados no tempo. Não dá.Terei tudo. Mas ainda
procuro. Vem em minha cabeça, nas minhas memórias, na minha vontade sincera de
fazer, de agir. Mas vou até um limite. Peguei um livro pra ler, logo nas
primeiras horas do dia. Hoje será melhor. Hoje serei mais produtiva. Hoje não
serei telespectadora, de filme bobo, de filme bom. Da globo, dos jornais
locais, que na verdade não são diferentes. Todos iguais. Todos os dias. Agora
escrevo, e tento não ler para não me bloquear. Ouço Caetano Veloso, o disco
Transa dele que sempre me inspirou coisas diferentes, coisas criativas, coisas
marginais, coisas extraterrestres do senso comum. Enfim. Hoje eu acordei meio culpada de não estar
aproveitando os dias de molho. Sim, de certa forma tirei minha face e
coloquei de molho até ela ficar novinha em folha e tomar uma nova forma, uma
forma que era para ter sido minha, mas não foi. Vai saber porque... são tantas
as teorias. Já ouvi muitas explicações, entendi parte delas, outras achei
dignas, interessantes. Mas na verdade, lá no fundo mesmo, não me importa o
porque da minha forma original não ter vindo comigo de imediato. Isso nunca foi uma
questão pra mim. Porque na verdade ninguém vem com essa forma. E mesmo que
venha, sempre tem alguém insatisfeita com ela. O ser humano é inquieto demais
pra se aceitar durante uma vida inteira, mesmo sendo esta vida curta ou longa. Sinto
que se eu parar agora de escrever, vou voltar para a estaca a zero. Quero exigir
mais de mim. Eu posso mais, eu sei. Ou não. Ou eu já fiz e não enxerguei.
Comentários
Penso assim: https://camilavasconcelos.wordpress.com/2011/08/14/nitidez-do-comum/
Beijinho. Adoro "ler você".