Arcanjo de sanfona nas mãos

Luiz Manoel Arcanjo, 65 anos, é piauiense e chegou a Salvador em 1972. Ele, uma mala pequena onde estavam as coisas mais importantes da sua vida até aquele ano, a sua sanfona e o sonho de poder viver da música com mais amparo e possibilidades profissionais. Para o ex-lavrador, o palco mais acessível e democrático que encontrou foram os transportes coletivos urbanos e até hoje é neles que se apresenta todos os dias, faça chuva ou sol. Luiz, o sanfoneiro, tem uma particularidade a mais, é deficiente visual desde que nasceu, e isso, segundo ele, nunca o atrapalhou. É um senhor muito simpático, de bem com a vida e muito carismático. Hoje, transformou-se em um personagem dos ônibus da capital baiana. É Luiz, o ceguinho sanfoneiro.

Morador do bairro de Sussuarana, periferia de Salvador, Luiz sai de sua casa, onde mora sozinho, e percorre toda a cidade, com a sanfona a tira a colo. “A capital já ficou pequena pra mim”, diz o músico. Mesmo não tendo a visão que precisa para ler o destino dos ônibus, ele diz que sempre sabe onde está. “Eu pego tanto ônibus, que eu chego parar às vezes no aeroporto”, comenta. Quando chega ao final do dia, esteja onde estiver, o músico se informa sobre a parada do ônibus que vai para a Estação da Lapa, porque de lá, a volta para casa é mais fácil.

Essa andança diária garante a Luiz o pagamento do aluguel de sua casa todo mês, além das outras despesas que todo cidadão adquire quando decide viver por si só, uma quantia razoável, como ele diz, com ar de conformismo: “É, minha filha, não é muito mas não dá pra passar fome”. O dinheiro de onde vem? Dos passageiros que se sensibilizam com a música do sanfoneiro, cujo repertório é repleto dos clássicos do seu chara e rei do Baião, Luiz Gonzaga. O clímax da sua apresentação é quando chega a hora de cantar a música “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que começa assim: “Tudo em volta é só beleza, sol de abril e a mata em frô, mas o Assum Preto, cego dos óio, não vendo a luz, ai, canta de dor (...)”

Luiz, nosso sanfoneiro ceguinho, canta esses versos como se estivesse falando dele, mas como todo bom artista que se preze, acrescenta um pouco mais de lamento na voz exigido pela música, porque, segundo ele, a cegueira não é motivo de dor, afinal, “nunca conheceu a luz”, afirma. Porém a associação do pássaro Assum Preto que teve a cegueira provocada por seu dono para cantar melhor com o nosso artista, ultrapassa a tristeza e ocupa a etapa da poesia que, triste ou alegre, é sempre bonita.

Reconhecimento popular

A fama do ceguinho sanfoneiro é um fato incontestável. A maioria dos usuários do transporte coletivo de Salvador já teve o privilégio de encontrar com o músico e ter uma viagem um pouco mais relaxante e animada. Muitos, assim como a repórter que vos fala, quase perderam o ponto onde iriam ficar, envolvidos com o som da sanfona de seu Luiz que já está bem gasta pelo tempo. Ele entra, pede licença, e ecoa o som da sanfona acompanhado pela sua voz com sotaque piauiense, cantando, entre outros clássicos, Asa Branca, também do seu chara. Os passageiros mais tímidos, sentados nas suas poltronas, batem o pé acompanhando o ritmo da sanfona, já outros mais desinibidos, arriscam cantar com seu Luiz. E no final, os passageiros entregam moedas de R$ 0,5, 0,10, 0,25 e 0,50 centavos, valores esses que Luiz reconhece com o tato, bastante aguçado por conta da deficiência visual. Tem alguns que são mais generosos que pagam com cédulas de R$ 2 e R$ 5. E assim segue o dia de Luiz Arcanjo, de ônibus em ônibus, de bairro em bairro, acompanhado da sanfona.

Essa fama ultrapassou os limites dos ônibus e já virou um dos temas do programa da Rede Globo, Profissão Repórter, comandado pelo jornalista Caco Barcellos. Na edição sobre “Artistas da noite”, o repórter baiano Renan Pinheiro entrevistou, entre outros artistas de rua como Jaime Figura e a banda Didá, o ceguinho Luiz, o que rendeu ao sanfoneiro elogios e muitos cumprimentos no dia seguinte de trabalho e só. Nenhum convite de trabalho, nenhum contrato, nada daquilo que o jovem que saiu do Piauí almejou alcançar. Porém o deixou muito feliz, amaciando o ego desse sanfoneiro que alegra as viagens, quase sempre estressantes, de nós soteropolitanos.

Então, você, que utiliza os ônibus da nossa cidade para se locomover e nunca teve a sorte de encontrar Luiz, o sanfoneiro ceguinho, não fique triste. Em breve, o som da sanfona desse senhorzinho simpático deve invadir a sua viagem, em qualquer lugar que você esteja. Já aqueles que tiveram esse encontro e ainda não se atentaram que aquela figura com sua sanfona, cheio de empolgação e poesia e que passa o chapéu no final, tem uma longa estrada de amor pela música e depende da boa vontade do passageiro para remunerá-lo de forma merecida e justa.

Comentários

Unknown disse…
Boa tarde ! Quero muito o contato dele para contrata- lo para tocar em um evento. Meu contato pollyqualivita@gmail.com
Maskavo disse…
Olá gostaria do contato dele para uma breve apresentação. Obrigado! rafaelmotamoitinho@gmail.com

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