Sidney Carvalho: em cada samba, um enredo...


Ele é filho das escolas de samba que desfilavam pelo centro de Salvador, anos atrás. Duas delas, Cacique do Garcia e Grande Família, que saíam do bairro do Garcia, local onde nasceu e vive até hoje, fizeram parte de sua infância, assim como da de muitos soteropolitanos que viveram carnavais com samba-enredo, famílias reunidas, mascarados nas ruas, carros alegóricos… Tradição. E ele estava lá, acompanhando tudo de perto com o seu tio, que era presidente de escola de samba, cargo de muitas responsabilidades e fonte de muitas alegrias também. Por isso tudo, ele cresceu e tornou-se um compositor de sambas. Sambas-canções e sambas-enredos que falam sobre as memórias de tempos bons que marcaram a sua vida. “Só escrevo sobre boas lembranças. As ruins eu não guardo pra mim”, esclarece Sidney Carvalho, 40 anos, dono de uma simpatia contagiante, a qual lhe confere muitos amigos por onde passa. O corpo grande, mãos fortes, voz firme, com timbre alto e imponente contradizem com a delicadeza que utiliza para tratar os que lhe rodeiam. Mas a voz potente tem sua serventia, e a melhor possível: cantar os seus próprios sambas.

Sidney e os amigos do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

“Comecei fazendo rimas musicais, isso desde pequeno.”, relembra Sidney quando inicia a narração sobre o caminho que o levou à composição. Cliente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), do Garcia, há dois anos, Sidney afirma que lá recebeu muito estímulo para acreditar no que faz. Para compor cada vez mais, ele também conta com a família, que além de, no passado, ter sido uma grande referência musical, por conta da atuação do seu tio no movimento do samba em Salvador, veio de casa a ajuda financeira para registrar em CD as suas composições. “Ao todo, eu tenho 60 composições, 25 canções e gravadas são sete (ouça em www.myspace.com/sidneycarvalhodejesus)”, conta.

A viagem de trem ao Rio de Janeiro em 1992 com o Germen, grupo de ecologistas do qual Sidney foi militante por um período, e a videira plantada na casa de um japonês, também morador do Garcia, são alguns dos motes para os seus sambas. Momentos e cenas cotidianas que despertam nele a sensibilidade de artista, sem precisar de nada complexo para sua obra de arte, pois é, como disse Guimarães Rosa: “A felicidade se acha é em horinhas de descuido”. E a felicidade para Sidney é compor um samba, ritmo que sempre o embalou. Como todo bom artista, não desperdiça as inspirações mais valiosas, que sempre aparecem como um flash, sem avisar, para serem capturadas só pelos que estão abertos a identificá-las com o olhar atento e merecedor.

Embora tenha dito que não costuma imortalizar nas suas canções os momentos ruins, Sidney confessa ter se inspirado no tema universal que é a desilusão amorosa, para musicar. Mas isso, como temos visto ao longo da história da música, não é exclusividade dele e tão pouco é condenável. Afinal, da dor também se extrai os mais belos sambas. Como no trecho da seguinte composição, feita por Sidney:

“Se um dia perguntarem por mim

Diga que eu saí

Com a batucada de bamba andando por ai

Louco de amor por uma mulata do morro

Que me desprezou, por isso eu peço socorro (…)”

A inspiração sempre chega nas madrugadas. As lembranças vêm para uma visita e acabam se transformando em sambas que tornam Sidney Carvalho mais um sambista do Garcia, como Riachão (o célebre companheiro de Batatinha, Claudete Macedo e tantos outros que escreveram e continuam colorindo a história do samba da Bahia) e os integrantes das extintas escolas de samba, da qual, na sua infância, tanto desejava fazer parte. “Eu sempre quis fazer parte daquela turma, mas eu era muito pequeno. Agora que eu tenho idade e faço os meus próprios sambas, as escolas não existem mais”, lamenta. Para compensar essa falta, o compositor cita a Mudança do Garcia, festa tradicional, que acontece durante o Carnaval, e ainda mantém alguns traços da folia do seu tempo de menino.

O cotidiano vivido no Caps também ajuda na hora de compor. Foi pensando nele, segundo o compositor, que a letra seguinte foi construída:

“ (…) Louco,

Expôs um dia a sua loucura com emoção

Pintando o sete, mostra em forma de canção

Todo o júbilo da sua inspiração (…)”

Embora já tenha gravado um CD e tenha composto um arsenal de sambas para todos os gostos, Sidney Carvalho ainda não pode espalhar a sua arte para muitas pessoas. E, como todo artista, sonha em divulgar seu trabalho. “O que eu quero mesmo é que algum cantor se interesse em gravar as minhas composições. Ficaria muito feliz.”, diz, com voz ansiosa ao pensar no futuro e confiante de que seu desejo possa ser alcançado. E pode. As suas composições parecem servir como aquelas caixinhas muito bem trabalhadas e lacradas com laços de fita onde guardamos as nossas melhores e mais marcantes lembranças. Muitas delas, quando abertas, conseguem dialogar com memórias de outras pessoas, por falarem a mesma língua – a da emoção – e, assim, compartilhar sentimentos profundos de dor ou alegria. E assim são as composições de Sidney, elaboradas com muito cuidado para reproduzirem as suas lembranças e suas observações mais sensíveis do cotidiano, que ao serem ouvidas, com certeza dialogarão com vários corações, lugar onde a música, e mais ainda o samba, sempre alcança.

As composições gravadas de Sidney podem ser ouvidas no myspace do compositor

O telefone para contato é o (71) 3267-0762


*Perfil publicado originalmente no À Queima Roupa (www.aqueimaroupa.com.br)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Minha face de molho