Tom Barreto, novo fôlego para a roda de samba da Bahia

Foto: Marcelo Reis.
Pelourinho, manhã de primavera. O vento chamava a atenção por ali, principalmente das mulheres que passavam, com as saias esvoaçantes. O dia estava acelerando seu ritmo. Caminhões de cerveja reabasteciam os bares e restaurantes. O barulho rouco dos motores e o tilintar das garrafas balançando nos engradados, dominavam o ambiente. Os sons se confundiam. Mas ai chega ele, bonito, sorridente e transbordando de histórias para contar, acompanhado de sua esposa, tão interessante quanto. A agonia sonora se transformou em um ruido bem distante, agora nós éramos os protagonistas. Sentados nas cadeiras de ferro da Cantina da Lua, estilizadas e desgastadas pelo tempo, onde já sentaram tantos artistas consagrados da Bahia, conversamos sobre destino, tradições, música, encontros e sentimentos.
Estávamos no mesmo local onde os pais do samba baiano, Batatinha, Riachão, Ederaldo Gentil e outros tantos artistas, se reuniam… Não tinha lugar melhor para iniciarmos uma história assim. Uma história de um artista que também se inicia na música popular. Ali, ele estava acolhido. Ele, Tom Barreto, é cantor e compositor de samba de roda, de côco, de ciranda, do carimbó e de outros ritmos que brotam todos os dias na lida das marisqueiras e dos pescadores de Salinas das Margaridas, no Recôncavo da Bahia. Prisioneiro da música de raiz. Prisioneiro feliz. Realizado.
Tom, soteropolitano, batizado pelos pais de Odé Nilton, (Odé, nome do orixá da caça, das matas e florestas) não tem uma trajetória musical comum. Dele não ouvi que o canto o acompanha desde pequeno, ou que já escutava música em casa, com a família… Ele nasceu e cresceu sem referências artísticas ou musicais. Aos nove anos, morador da Estrada Velha do Aeroporto, acordava às 4h, para não perder o ônibus em direção ao Pelourinho. Entregava jornal entre as ruelas de arquitetura colonial, e com isso conseguia uma quantia para satisfazer as suas vontades de criança. Foi como todo menino do Pelô, como diz a música.
Mais velho, morou em terras cariocas, trabalhando como cabeleireiro. Profissão que o levou para fora do país, para fazer cursos de especialização na área. Mas não se sentia à vontade.  Ainda não tinha se encontrado no espaço e no tempo em que vivia. Acreditando que precisava cuidar de si mesmo, da sua “espiritualidade”, como ele diz, Tom voltou para Salvador. Seguiu seu destino, sem olhar para trás. A essa volta ele credita a fé que começava a aflorar.  A fé religiosa, já que, segundo ele, foi “escolhido” pelo seu orixá, e hoje é de Ketu (maior e mais popular nação do Candomblé) e a admiração pela fé do povo ribeirinho do Recôncavo, que conheceu por acaso e se transformou na sua inspiração, matéria prima para a música que faz. “Hoje em dia eu tenho um trabalho muito direcionado para a população ribeirinha, que vive à margem do Paraguaçu, e, para mim, a força que as marisqueiras e os pescadores têm, simboliza a fé. A fé de acreditar que vai conseguir criar seus filhos, que vai conseguir ter saúde, que vai conseguir botar o alimento dentro de casa. É uma vida muito “puxada” e, no entanto se consegue viver bem. Há uma certa qualidade de vida e eu acho que a fé é que faz essas coisas acontecerem.”, explica o músico.
As composições de Tom Barreto nada mais são, e por isso que são tão ricas, um espelho ou a tradução do cotidiano daquela população, que conheceu enquanto buscava se fortalecer espiritualmente. Queria morar em um lugar onde a natureza fosse muito marcante, e ao deparar-se com o mar azul rodeado pelos coqueirais, fincou sua bandeira. A primeira parada foi há oito anos, na zona rural de Muritiba, onde teve o primeiro contato com os cânticos populares da região. Ali começava a adquirir as tais referências musicais que todo artista precisa para construir seu trabalho. Mudou-se para Salinas das Margaridas, casou-se, e continuou apostando na sua arte. “Quando eu vejo os coqueirais, ou quando eu chego na beira da maré, escrever uma música é a única vontade que sinto. Enquanto eu não faço isso, não fico em paz. É a forma que tenho de transpor a minha emoção, a minha admiração pelo que vejo. O sentimento é tão forte, que ele só escorre pra música. Meu coração é completamente independente”, brinca.
Tão forte quanto o seu sentimento é a sua voz, de timbre alto e original. De acordo com Jota Velloso, um canto agreste, no melhor sentido da palavra. É um canto rústico, totalmente afinado com as raízes musicais que escolheu, e por isso interpreta com muita propriedade e verdade a cultura de beira de maré. “Quando eu conheci as pessoas e as músicas que elas cantavam nas festas de candomblé, eu sentia que aquilo tudo já era meu, que eu já fazia parte daquele mundo”, relembra. Antes de chegar nas margens do rio Paraguaçu, Tom não sabia nada sobre ele mesmo… Não sabia da voz que tinha, da sensibilidade que, até hoje, vem à tona, da familiaridade com o violão… Foi uma descoberta. Ele se conheceu e gostou do que viu. “Eu comecei a estudar sozinho. Em casa, aprendi a tocar violão e a cantar. Tentei entrar em algumas escolas, mas não conseguia assimilar o que o professor dizia. Então eu parti pra prática, a cantar nas rodas de samba.”, conta.
A primeira música que compôs foi Amor de mãe. E foi com ela, que Tom Barreto passou a acreditar que o que estava desenvolvendo naturalmente nele, era arte. Passou a fazer shows na região, em pousada e em festivais locais. Quando gravou seu primeiro demo, distribuiu para as suas divas inspiradoras: as marisqueiras! Crítica mais competente não poderia existir. Hoje, Tom Barreto e a música andam de mãos dadas. Canta e escreve sobre a terra que sempre foi sua, embora não tivesse nascido por lá. A etapa da descoberta já foi cumprida e agora chegou o momento de se exibir, como todo bom artista gosta de fazer. Melhor ainda quando tem para exibir a arte verdadeira, que vem de dentro, sem embalagem. E o palco é o lugar ideal para isso.

Nas vindas para Salvador, Tom já fez participações importantes em shows do grupo Barlavento, que gravou a música Marisqueira, de composição sua, e nos shows do cantor Toti Gira. Já passou pelos saraus da Casa da Mãe, bar do Rio Vermelho que vem reunindo artistas baianos emergentes e de tradição. Agora, o que precisa é de um produtor, que entenda a sua arte, divulgue seu trabalho e chegue para complementar o seu projeto de vida e de profissão, que é ressaltar a beleza da população ribeirinha e renovar o repertório da música de raízes africanas que tanto alegra e abrilhanta nosso povo. “A minha necessidade hoje é de mostrar o meu trabalho. O artista é exibido por natureza. Se eu não cantar, é o mesmo de eu não poder respirar”, revela.





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